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15 de ago 2025

Namorar virou coisa do passado?

Lígia Baruch, psicóloga e escritora analisa por que tantos jovens estão desistindo de amar

Imagem: Portal Tela

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Namorar virou coisa do passado? - Namorar virou coisa do passado?

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Entre ghosting, talking stage infinito e medo de se entregar, o namoro virou quase um enigma moderno. Tem gente que quer, mas não sabe como. Tem gente que já desistiu. Tem gente que ainda espera ser arrebatado por algo entre a playlist da Lana Del Rey e um match improvável no Instagram.

Mas o que está por trás desse desencanto amoroso tão típico da juventude atual?

Para entender melhor esse fenômeno, o Portal Tela conversou com Lígia Baruch de Figueiredo, doutora e mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP, com formação em diversas abordagens terapêuticas e especialização em terapia de casal e família. Lígia é também professora da Casa do Saber e autora de Tinderellas, obra que analisa o impacto dos aplicativos e da digitalização sobre os vínculos afetivos. Estudiosa do amor na era digital, ela é referência em temas como intimidade, gênero e relações contemporâneas.

Amor ou burnout?

“Vivemos uma verdadeira Torre de Babel afetiva”, dispara Lígia. Para ela, o amor romântico, tal como conhecíamos, está passando por uma grande transformação, e não por um fim. “O amor é uma construção social. E como toda construção, se transforma com o tempo”, explica.

Entre os principais motivos para essa crise, Lígia aponta dois fenômenos: de um lado, o letramento de gênero que permite que mulheres jovens, especialmente da geração Z, questionem papéis tradicionalmente impostos; de outro, a crise da masculinidade, que ainda não encontrou novos modelos para se expressar. “As mulheres avançaram muito. Os homens, em muitos casos, estão tentando entender qual é o seu lugar nesse novo jogo”.

“Estamos com medo de amar”

Se antes a lógica dos relacionamentos era mais previsível — conhecer alguém, namorar, casar, ter filhos — hoje ela se tornou uma jornada cheia de checkpoints, zonas de teste e “etapas não oficiais”.

Para Lígia, a fragmentação do namoro em estágios como 'ficante sério' ou 'situationship' é uma tentativa de se proteger da entrega. “Quando amar se torna arriscado, a gente tenta controlar. E controlar é fragmentar, rotular, colocar cada coisa em seu lugar.”

Além do medo, há também um fator social e econômico que não pode ser ignorado: “Como você vai namorar se está desempregado? Como vai casar se não consegue pagar o aluguel?”, questiona Lígia. Hoje em dia, levar em conta só o sentimento já não basta. Relações também esbarram na realidade da vida adulta.

Tudo como performance

E quando o amor vira conteúdo? Para Lígia, as redes sociais transformaram o namoro em capital simbólico. Ter um relacionamento feliz virou sinônimo de sucesso pessoal e, muitas vezes, se posta mais do que se vive. “Vivemos uma sociedade do espetáculo. Todo mundo quer seus 15 minutos de fama, inclusive na vida afetiva”.

Nessa vitrine digital, a felicidade a dois precisa ser estética, engajada e visualmente perfeita. O problema é que o relacionamento real, com suas falhas e silêncios, não rende tantos likes.

O caos dos conselhos amorosos

Nos últimos anos, cresceram nas redes perfis que se propõem a ensinar o “caminho do amor” para homens e mulheres. Lígia observa esse fenômeno com preocupação. “Esses perfis, na maioria das vezes, confundem mais do que ajudam. São baseados em experiências pessoais e em discursos prontos que ignoram a complexidade dos vínculos humanos”.

Segundo ela, embora existam criadores sérios e bem-intencionados, é perigoso tratar o afeto como se fosse uma equação. “Não existe manual para relacionamento. O que existe é escuta, presença e disponibilidade real”.

Tá, mas o que é um vínculo saudável?

Pergunta difícil. Mas Lígia arrisca uma definição possível: “Um relacionamento saudável é uma relação de parceria, de apoio mútuo, de respeito e admiração”. Segundo ela, o amor precisa sair da lógica da idealização e entrar no terreno da construção real. “É o contrário da intoxicação romântica. Ninguém vai suprir todas as suas faltas. E tá tudo bem.”

Ela defende que cada casal construa seus próprios acordos, suas rotinas e seus afetos com base na igualdade. “Uma boa relação é aquela em que ambos cuidam da casa, da carreira, das emoções, dos filhos. Juntos. E em pé de igualdade”.

E os apps? Ainda servem pra alguma coisa?

Apesar de serem o canal mais usado para conhecer pessoas, os aplicativos de namoro estão em declínio entre jovens. A culpa, segundo Lígia, não é da ferramenta em si, mas da saturação da lógica do swipe. “Desde os tempos das salas de bate-papo, já existia preconceito com os encontros online. Isso nunca desapareceu”.

O problema não é exatamente o digital, mas a forma como ele passou a substituir a presença. “Depois da pandemia, a dificuldade de estar junto no real se intensificou. E os apps, que já tinham suas limitações, acabaram ficando ainda mais esvaziados”.

O amor não acabou — mas precisa ser reinventado

Diante de tudo isso, resta a pergunta: ainda dá pra acreditar em relações duradouras? Lígia acredita que sim, mas só se estivermos dispostos a abandonar as idealizações.

“Amar é também se frustrar. É lidar com o outro real, não com a projeção. É construir junto. E isso exige muito mais do que match: exige presença, escuta e responsabilidade”. Porque, no fim das contas, o amor não acabou. Ele só não aceita mais ser romantizado à moda antiga.

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